A canela do mingau da esquina ou do chazinho do fim da tarde tem compostos bioativos com potencial de agir contra o câncer, a Covid, o Alzheimer e outras doenças. Uma compilação de estudos sobre a especiaria, trabalho conjunto do pesquisador Mozaniel de Oliveira, do Museu Paraense Emílio Goeldi, com os pesquisadores chineses Jian Ju e Yu Qiao, está no livro Cinnamon: A Medicinal Plant and A Functional Food Systems, publicado pela editora Springer.
“Por ter atividade antioxidante, a canela consegue inibir o estresse oxidativo, que está ligado a uma cadeia de várias doenças, como as neurodegenerativas, as inflamações, o câncer. Para chegar na ação contra a Covid, que é algo mais novo, a busca foi saber se a planta tem atividade antiviral”, explica Mozaniel, que foi bolsista do Programa de Capacitação Institucional (PCI) e atualmente faz pós-doutorado, ligado ao Laboratório Adolpho Ducke e à Coordenação de Botânica do Museu Goeldi.
A publicação internacional estabelece um elo entre o caráter alimentício e as propriedades medicinais da canela. Com qualificada revisão de literatura, identifica uma composição química útil da planta para a prevenção de enfermidades. “A canela tem propriedades que indicam esse potencial. Mas precisa-se de mais estudos ainda. O livro serve de suporte para outros pesquisadores que forem pesquisar a canela tanto como planta medicinal, quanto como alimento funcional. A canela ainda é um mundo a se estudar”, considera o pesquisador.
Contra vírus, tumores e demências
Da árvore da canela são retiradas especialmente a casca e a folha. A principal substância do óleo essencial da casca é o cinamaldeído; já das folhas, é o eugenol. Medicamentos produzidos a partir de óleos essenciais vegetais como o da canela podem representar uma alternativa ‘verde’ a fármacos sintéticos. Os autores alertam que são necessários mais estudos pré-clínicos e clínicos para garantir a segurança desses compostos em humanos, mas as possibilidades de aplicação são diversas.
O extrato de canela, por exemplo, traz contribuições para a luta contra o câncer, com chance de atrasar o avanço de tumores ao ativar moléculas pró-apoptóticas. O livro cita também a possibilidade de uso farmacológico da canela como antiviral para tratar o novo coronavírus e outros vírus respiratórios. Componentes da planta, caso de polifenóis e polissacarídeos, têm capacidade de inibir o processo neurodegenerativo de doenças como o Mal de Alzheimer, por conta de potenciais vasodilatadores e neuroprotetores.
Os compostos químicos cinamaldeído e o eugenol, além das propriedades terapêuticas, têm capacidade de aproveitamento pela indústria alimentícia. “Também existe a possibilidade de aplicações dos compostos da canela em alimentos, como aditivos não sintéticos. Seriam aditivos naturais para a preservação de alimentos. Já que têm atividade antioxidante e antimicrobiana, podem prolongar a vida de prateleira desses alimentos”, diz Mozaniel.
Da medicina tradicional para a ciência
Há cerca de 4 mil anos, os seres humanos utilizam a canela. Na Antiguidade, a planta aparecia na fabricação de fragrâncias, na saborização de bebidas e no embalsamamento de cadáveres. Essa especiaria, originária do Sudeste Asiático, tem mais de 250 espécies catalogadas. Muitas delas servem como tempero. Indonésia, China, Vietnã e Sri Lanka estão entre os principais produtores e exportadores de canela e seus produtos derivados.
Algumas espécies de canela têm destacado uso na medicina tradicional para tratar indigestão, resfriado, tosse e infecções microbianas. O chá é popularmente tomado por mulheres durante a gravidez, para tratar náuseas, e após o parto, para diminuir sangramentos. As evidências científicas recentes confirmam efeitos anti-inflamatórios, antimicrobianos, antioxidantes e antitumorais da canela, gerando aplicações da especiaria na produção de medicamentos.
“Na China, tem mais ou menos 5 mil anos de história de medicina tradicional. A ciência moderna está muito vinculada ao conhecimento tradicional, principalmente na descoberta de novos fármacos. Quando nós fazemos pesquisas na Amazônia, nós buscamos também o conhecimento tradicional”, conta Mozaniel. O trabalho do pesquisador com fitoquímica teve influência da avó, que era analfabeta mas sabia bem como aproveitar as ervas da floresta para cuidar da saúde.
As pesquisas do Laboratório Adolpho Ducke do Museu Goeldi, coordenadas pela pesquisadora Eloisa Andrade, envolvem coleta de plantas, extração e caracterização químicas, e aplicações biológicas para a medicina, a indústria de alimentos e a agricultura. Além dos estudos com óleos essenciais, Mozaniel de Oliveira tem publicações sobre terpenóides e outros compostos bioativos. Ele mantém parceria com pesquisadores da Índia, da Bélgica e da Romênia.
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