No Dia Mundial de Combate ao Câncer, oncologista clínico explica mais sobre a doença

Graduado na antiga Faculdade Estadual de Medicina do Para (FEMP) e com pós-graduação em clínica médica, Fernando Chalu Pacheco fez residência em uma unidade do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Atualmente, o médico oncologista atende pacientes no Hospital Ophir Loyola e em sua clínica particular, Oncocentro de Belém, uma referência no tratamento do câncer no Estado. Hoje, 04 de fevereiro, é o Dia Mundial de Combate ao Câncer e, nesta entrevista para o portal Cenário News, o médico esclarece um pouco mais sobre a doença, que é uma das mais comuns no país.

Foto: Arquivo pessoal

Como se apresenta hoje o cenário da doença no Brasil? Durante o tempo que você trabalha com pacientes oncológicos, quais os tipos que mais tem observado no seu dia a dia?

O Brasil deverá registrar, segundo o INCA, cerca de 625 mil novos casos de câncer para cada ano do triênio 2020-2022. No sexo masculino, os cânceres mais frequentes são: próstata (29%), cólon e reto (9%), pulmão (8%), estômago (5%) e cavidade oral (5%). No sexo feminino, os mais frequentes são: mama (30%), cólon e reto (9%), colo do útero (7,4%), pulmão (5,6%) e tireoide (5%). Feitas essas considerações de incidência do câncer no Brasil, eu posso dizer com segurança que o meu dia a dia, nesses quase 35 anos de oncologia, tem seguido essa tendência em termos de casos mais frequentes.

Você observa algum tipo de comportamento em comum nos pacientes diagnosticados que poderia contribuir para o desenvolvimento da doença? Que orientações você pode dar para ajudar a prevenir o câncer?

Os números mostram que entre 80% e 90% dos casos de câncer tem como principal causa a exposição a fatores de risco, entre eles o sedentarismo, já que os estudos mostram que 72% das pessoas acometidas pelo câncer no Brasil têm vida sedentária. Segundo o instituto Vencer o Câncer, o sedentarismo está relacionado com 50% da incidência de câncer de endométrio; 37% dos casos de câncer de esôfago; 25% dos tumores malignos colorretais e 20% dos casos de câncer de mama.

Uma nutrição inadequada, com uma dieta pobre em verduras e rica em produtos industrializados, açúcar e sal está relacionada à maior incidência geral de câncer. As carnes vermelhas ou processadas também podem ser causas de alguns tipos de câncer, em especial os do trato gastrointestinal. Apesar disso, a carne vermelha é rica em nutrientes como proteínas, ferro, zinco e vitamina B12. Por isso, a orientação é o consumo moderado de carne vermelha.

Então, como prevenir o câncer? Vamos nos deter à prevenção primária, que visa impedir que o câncer se desenvolva. Isso inclui evitar a exposição aos fatores de risco e a adoção de um modo de vida saudável. Segundo o INCA, as dicas para prevenir o câncer são:

1. Não fumar – Regra mais importante para prevenir o câncer, principalmente os de pulmão, cavidade oral, laringe, faringe e esôfago.

2. Alimentação Saudável – Tenha uma alimentação rica em alimentos de origem vegetal, como frutas, legumes, verduras e evite alimentos ultraprocessados, como aqueles prontos para consumo.

3. Pratique atividade física e mantenha o peso corporal.

4. Faça o preventivo do câncer do colo do útero se você é mulher e tem entre 25 e 64 anos, em local com pessoal qualificado para fazer.

5. Meninas entre 9 e 14 anos e meninos entre 11 e 14 anos devem se vacinar contra o HPV – A vacinação contra o HPV, disponível no SUS, e o exame preventivo (Papanicolau) se complementam como ações de prevenção do câncer do colo do útero.

6. Evite o consumo de bebidas alcoólicas ou pelo menos beba com moderação, pois o álcool contribui para o risco de desenvolver câncer.

7. Evite a exposição ao sol entre 10 e 16 horas e use sempre proteção adequada, como chapéu, barraca e protetor solar, inclusive nos lábios.

Muito se tem discutido sobre saúde mental na atualidade. No caso dos pacientes oncológicos, quais os impactos dos aspectos psicossociais no enfrentamento da doença? Quais as contribuições do acompanhamento psicológico profissional para o tratamento?

Temos o impacto do diagnóstico e todas as repercussões psicológicas e físicas. Em relação aos impactos psicológicos, há reações comportamentais desde o recebimento do diagnóstico, enfrentamento do bloqueio, da barganha e depressão, até a resposta comportamental. Essa resposta pode ser tanto funcional – aquela em que o paciente recebe o diagnóstico, compreende e mantém uma atitude positiva de enfrentamento do problema, mesmo que ele esteja mal – ou disfuncional, um cenário mais desfavorável para o paciente, que tem uma atitude totalmente negativa no enfrentamento, entrando em um quadro de depressão, ou seja, não aceita, não compreende e não adere ao tratamento. Aqui o paciente realmente sucumbe do diagnóstico em diante e precisa de suporte psicológico. De maneira que o atendimento psicológico é fundamental para ser utilizado junto com a equipe médica assistente.

O Brasil é um país com avanços significativos no campo oncológico? E a Região Norte?

Sim, tivemos avanços importantes na área da cirurgia oncológica nos últimos anos, como a laparoscopia e robótica, radioterapia intraoperatória, radiofrequência hepática, ablação de tumores do fígado e pâncreas, só para citar alguns. E todos esses procedimentos estão disponíveis no Brasil, embora nem todos estejam disponíveis na Região Norte. A evolução tecnológica tornou a radioterapia mais precisa, segura e adequada ao meio ambiente, porém, apesar dos avanços, o acesso à radioterapia ainda é um sério problema no Brasil. A Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) estima que cerca de 5 mil pessoas morram anualmente por não conseguir se submeter ao tratamento e a pandemia do novo coronavírus só piorou a situação. Em relação ao tratamento sistêmico do câncer, que é aquele que utiliza medicamentos isoladamente ou em combinação com a cirurgia ou radioterapia, até pouco tempo atrás, só tínhamos a quimioterapia e a hormonioterapia, hoje temos a terapia alvo e a imunoterapia, que aumentaram significativamente os índices de cura e controle duradouro de diversos tipos de câncer, mesmo os mais avançados. No entanto, no Brasil, há muitas desigualdades no acesso a diagnósticos e tratamentos oncológicos modernos, tanto entre serviços da rede privada de saúde quanto no SUS. Com drogas cada vez mais caras e estratégias personalizadas, esse abismo deve crescer ainda mais.